1. REGIME DE BENS NO CASAMENTO E A AUTONOMIA DA VONTADE.
A união de duas pessoas com o objetivo de compartilharem entre si suas vidas tem como consequência natural a influência das questões patrimoniais que envolvem tais pessoas.
Se estas pessoas formalizam esta união pelo casamento, há regulamentação no Código Civil de que, quando da habilitação à celebração, os nubentes podem optar por um determinado regime de bens – dentre os que são previstos e regulamentados no Código Civil Brasileiro – e, onde não houver a escolha do regime de bens, a lei atribui um regime para aquele casamento considerando alguns aspectos específicos dos nubentes. Eis aqui a consagração da autonomia da vontade e a não intervenção estatal nas relações privadas.
O regime de bens que a lei atribuí aos nubentes, em razão do silêncio na opção, é denominado de REGIME LEGAL e, naturalmente, tem caráter subsidiário.
Ocorre que, em determinados casos, o legislador, no artigo 1.641 do Código Civil, entendeu que haveria a necessidade de afastar a autonomia da vontade das partes (nubentes) para que houvesse, objetivamente, a proteção pessoal e patrimonial em circunstâncias que haveria uma presunção de vulnerabilidade.
Estabeleceu-se então o regime de bens impositivo. Trata-se de regime de bens, imposto por lei, que os nubentes devem aceitar para se casarem. Tal regime de bens é o de separação obrigatória (que não se confunde com o de separação convencional).
Dentre as situações que o artigo 1.641 impõe o regime de separação de bens está a do nubente com idade acima de 70 anos – que até o advento da lei 12/344/2010 era de 60 anos. Restou claro aqui que, quando se mostrou necessário o próprio legislador ajustou os limites da proteção. Não compete ao judiciário a efetivação de tais ajustes pontuais, pois não é sua atividade típica.
Contudo, em 01/02/2024, o Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento do ARE 1309642, decidiu que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes.
Evidenciou-se que a Autonomia da Vontade, como axioma substancial das relações privadas, prevalece sobre a proteção objetiva ao idoso pretendida pelo Código Civil.
Os septuagenários que forem se casar, quando da habilitação, agora devem ser informados pelo Oficial de Registros (artigo 1.528 do CC) que podem escolher qualquer regime de bens e que, caso não queiram escolher, a lei atribui o regime de separação legal de bens.
Ressalta-se que não mais convém chamar de regime de separação obrigatória, por ser contraditório em seus termos. Logo, para adequar a denominação, pode-se dizer que temos agora o REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. Esta denominação, inclusive, deixa cristalina a razão de o STF ter concluído que a escolha de regime diverso depende de formalização por escritura pública.
2. A OBRIGATORIEDADE DE ESCRITURA PÚBLICA PARA ADOÇÃO DO REGIME DE BENS DIVERSO DO LEGAL.
Como já dito alhures, não podemos confundir o regime legal como o regime impositivo, pois o primeiro tem caráter subsidiário, enquanto o segundo não.
No regime legal, A AUTONOMIA DA VONTADE É PRESERVADA, mas a lei, de forma subsidiária à vontade das partes, quando não for manifestada, atribui um regime de bens ao casamento. Isso ocorre, pela óbvia razão de que não se mostra viável um casamento que não haja qualquer regulamentação legal sobre as questões patrimoniais.
Já no regime impositivo, AFASTA-SE A AUTONOMIA DA VONTADE, e a vontade legislativa é IMPOSTA aos nubentes.
Entendida essa distinção, caminhou bem o STF ao salientar no acórdão que a escolha de regime diverso do regime legal, no casamento que envolva nubente maior de 70 anos, implica na necessidade de que a escolha seja formalizada por escritura pública. Trata-se de aplicação do disposto no artigo 1.536, VII do Código Civil, que reza a obrigatoriedade de escritura pública de Pacto Antenupcial onde o regime de bens do casamento escolhido (não imposto) for diverso do legal.
Logo, ao considerar que o regime legal das pessoas com mais de 70 anos é o regime de separação de bens, a escolha de regime diverso deste deve ser formalizada por escritura pública. Trata-se aqui do famigerado PACTO ANTENUPCIAL.
Por fim, importa ressaltar que, ao casamento que não for precedido de PACTO ANTENUPCIAL, quando a lei impuser esta obrigatoriedade, aplicar-se-á regime legal de bens.
3. CONCLUSÃO
A decisão do STF no ARE 1309642, logo no seu primeiro dia de trabalho em 2024, mostra-se ativista – pois é evidentemente contra legem – porém, transcende a mera legalidade para garantia de axiomas constitucionais, em especial o respeito à autonomia da vontade das pessoas com mais de 70 anos.
À primeira vista, pode até parecer que há um abalo na segurança jurídica destas relações matrimoniais. Contudo, ao deixar evidente a obrigatoriedade de formalizar a vontade dos nubentes por escritura pública, resta afastada qualquer conjectura a este respeito.
Incumbirá então, a quem já assim atua há milhares de anos - O Tabelião de Notas - a importantíssima missão de garantir segurança jurídica à relação matrimonial dos nubentes septuagenários, aferindo a presença de elementos, em cada caso concreto, que darão maior segurança jurídica – tanto às partes quanto aos terceiros interessados – de que a escolha do regime de bens por aqueles nubentes - ainda que maiores de 70 anos - se deu em pleno gozo da capacidade civil e, principalmente, que as vontades foram manifestadas de forma livre.
Em suma:
AOS SEPTUAGENÁRIOS: respeito a autonomia da vontade;
AOS TABELIÃES DE NOTAS: a responsabilidade em garantir o efetivo e seguro exercício da autonomia da vontade dos septuagenários nubentes.
Goiânia, 02 de fevereiro de 2024
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